07 setembro 2010

Mau resolvimento.

Fiquei com uma parte da vida mal resolvida: a do intercâmbio.
Eu aproveitei muito menos do que deveria ter aproveitado. Fui a menos festas do que deveria, fiz menos amigos do que deveria, trabalhei mais, tirei menos fotos, fiz menos besteira. Pra variar, eu fiz as coisas mais cedo do que deveria ter feito. A Disney e os meus vinte anos de idade (este post serve até como balanço geral dos meus vinte anos) me fizeram levar a vida menos a sério, a pensar menos e a me divertir mais. Já ouvi várias vezes de várias pessoas que eu penso muito, hipotetizo muito antes de fazer alguma coisa. Já melhorei bastante neste aspecto nos últimos tempos, mas ainda tenho muito a melhorar.
Pior que eu conheço uma pessoa que também pensa demais, e ela é o modelo perfeito a não ser seguido, na minha opinião. É um cara muito inteligente, mas que parece ter medo de dar a cara a tapa. Com a minha idade não tem história pra contar. Foi à primeira festa da faculdade da sua vida no último ano do curso. Quando eu o encontrei no meio da festa, gritei "e aí, tá curtindo?" (prolongando bastante mais as vogais) e ele, ao invés de gritar qualquer coisa, teorizou com voz de quem está num café: "sim, essa sensação que dá a música alta, as pessoas dançando, dá uma sensação muito boa que anima muito", e etc. Enfim, ele realizou muito pouco na vida. Ficou lá, pensando, até quando fez.
Quando encontro alguém que também trabalhou na Disney dói, literalmente, de compartilhar as experiências. Vai além da DPD (depressão pós-Disney), como ex-cast members chamam. Agora que estou procurando intercâmbio para trabalhar na minha área fico pensando se aproveitá-lo bem substituiria essa sensação de incompletude. Mas não, não é a mesma coisa. A Disney tem lá seu marketing fantástico que, por si só, já amolece uns corações só de ver fotos de lá (no meu caso, só de ouvir músicas), e isso também chega em quem trabalha lá.
Quando eu achava que estava chegando ao ponto de esquecer e tocar a vida porque não há mais o que fazer, recebi um email falando de um programa de seis meses na Disney. Simples: é entrar nesse programa, fazer o que deveria ter feito e voltar não devendo mais nada para mim. Porém, é difícil parar a vida por meio ano com a justificativa de resolver isso.
Eu achava que tinha muito, e que jogar tudo para o alto seria loucura. Um dia minha chefa me disse que queria dar a volta ao mundo por um ano. Eu disse que queria fazer o mesmo, mas que era difícil largar tudo. Quando ela me perguntou o que eu tinha e eu disse "a faculdade, o estágio", ela riu.
Eu não tenho nada. Nós não temos nada, galera. Eu posso, sim, largar nada e ir embora, porque esse é o momento de fazer isso. Depois a vida começa.
Fui atrás do programa da Disney disposto a largar o início da procura do intercâmbio de trabalho na minha área, a faculdade, o estágio, tudo. A música de uma das paradas da Disney turbinou minha vontade. Eis que aparece um dos termos do programa: já estar formado.
Respirei aliviado (como sempre faço em todo fim de post). Não preciso pensar em superar isso agora. Melhor: tenho mais tempo para pensar se voltar é o melhor meio para seguir em frente sem arrependimentos. O que vocês acham?

15 agosto 2010

A bíblia do marketing.

Estava estudando quando apareceram duas mulheres, uma japonesa e a outra meio mistura de tudo. A primeira me deu boa noite e, quando achei que ela só pediria uma informação, sentou-se ao meu lado e desembestou a falar.
Eu, bonzinho que sou, ao invés de cortá-la, mesmo que educadamente, para continuar a estudar os conceitos de experimentos em marketing, fiquei ouvindo. Depois de algumas perguntas, como se eu estudava lá na FEA, ela começou o assunto que as motivara a falar comigo: religião.
Eu, bonzinho que sou, ao invés de cortá-la, mesmo que educadamente, por não ser religioso e nem ter planos de ser, fiquei ouvindo.
Pedi um cartão delas para passá-lo para uns amigos que mantinham um grupo de estudos religiosos na faculdade. A moça da descendência variada me deu um cartão todo amassado. Coloquei-o como marcador da página do livro que eu estava lendo.
Um dia fiquei de frequentar esse grupo por consideração a um dos integrantes. Calhou de ter uma prova no mesmo dia da reunião e de eu não ter o livro daquela matéria, um livrão. Fui até o grupo com a intenção de pedir aquele livro emprestado. Esse meu amigo disse "você veio se unir a nós, Arthur?", interrompendo o discurso de outro integrante que estava descrevendo um milagre que ele presenciara seguido de uma quase convulsão dele próprio! Eu disse "não, tem aquela prova... você não quer me emprestar a bíblia do marketing?" O da convulsão me pregou na cruz com os olhos.
A japonesa, sentada ao meu lado, falava da igreja da qual elas eram e me perguntou se eu frequentava alguma. Eu disse que não, mas que eu achava importante ter um lado espiritual.
Foi eu falar isso pra ela ficar semip*ta. Ficou uns dez minutos dizendo que não é que era importante, é que era necessário ter um lado espiritual e ir à igreja para ter a vida eterna, e não apenas essa nossa vida material, no sentido da carne e do capitalismo. Pensei em perguntar se, então, quem não vai à igreja não tem alma. Deixei a chance passar para ser agradável com elas, apesar do sermão da japa.
Os últimos minutos do sermão, aliás, foram críticos. Eu já estava nem aí para o respeito em relação à opinião delas e só reparava no vão que havia entre os dentes da japa e no hálito dela, que não era nem bom para ser agradável nem ruim para me fazer criar um meio de tapar o nariz discretamente. O sotaque dela, que antes me fez sentir ternura, agora era gozado. Ela falava que a bíblia blablabla e apontava para o meu livro de marketing, o que me fez ter um estalo e lembrar da cena da bíblia do marketing e da cara de raiva do fulano do milagre. Segurei forte a risada e a transformei num sorriso ingênuo.
Conferi as horas. Já era tarde o bastante para bandejar. Achei um vácuo no monólogo para concluir aquilo e ir embora. Na semana seguinte, devolvi o livro e o cartão deve ter ido junto. Minha educação de ouvir a mulher teve como melhor resultado todos nós apenas termos perdido tempo.

(Outro post favorável a menos educação no mundo.)

09 maio 2010

Brainstorm na vó

A primeira coisa que vi na cozinha foi a Coca-Cola Light Plus de 1,5 litro em cima da mesa. Dei oi pra todo mundo e sentei. Fiquei praticamente encarando a garrafa. O queixo apoiado nas mãos, os cotovelos apoiados na mesa, o corpo inclinado para frente.
A primeira coisa que percebi foi que a garrafa era pequena. Era de 1,5 litro, e não de 2 litros. Fiquei pensando se com isso a Coca queria cobrar mais caro pelas vitaminas e minerais embarcadas na Coca Cola Light "Plus", mas evitando cobrar um preço que fosse considerado alto demais. Esse alto demais pode ser diagnosticado por uma pesquisa de elasticidade da demanda, através da qual você pergunta mesmo para a pessoa se ela pagaria pelo produto com o preço x, com x+1, x+2, isso explicando de modo bem simples o teste. A de 2 litros com o premium que seria necessário cobrar pelo valor a mais desse tipo de Coca-Cola teria um preço alto demais, enquanto a de 1,5 litro com o tal premium poderia ter um preço aceitável. Talvez.
Fora isso, a embalagem, além de ser pequena, era mais fina. Isso deveria sugerir uma forma mais magra da pessoa que tomasse aquela Coca-Cola. Talvez.
Depois lembrei de quando ela foi lançada, que uma graduanda em nutrição falou que aquilo era um absurdo. Não lembro o porquê de ser um absurdo, mas acho que tinha a ver com o fato de propagandearem que ela tinha vitaminas e minerais sendo que você não se beneficiaria deles realmente consumindo aquela Coca-Cola. Algo assim.
Isso me fez lembrar do presidente da Nestlé falando que a estratégia deles seria lançar cada vez mais alimentos funcionais, que são esses com vitaminas, minerais, reguladores intestinais, etc., pois as pessoas querem ter uma alimentação mais saudável, além de, claro, os produtos tradicionais terem se tornado commodities em termos de preços (fora vilões da saúde) e os funcionais serem a nova fonte de lucros da indústria de alimentos. Por sua vez, essa lembrança me trouxe a de uma entrevista que ouvi na CBN com um médico sobre a Danone vender o Activia e algum outro produto x como remédios, o que é ilegal segundo a Anvisa. Não sei se foi nessa entrevista também que ouvi que porcarias para crianças que agora tem minerais, vitaminas, etc. são um absurdo, porque os pais das pobres coitadas vão dar aquilo para seus rebentos com paz de espírito sendo que a porcaria continua a fazer bastante mal.
Depois vi que a embalagem da Coca é azul. Eu acho estranho algum refrigerante ter embalagem azul, pois não é uma cor atrativa para bebidas.
Nisso meu primo perguntou para a minha mãe se ela já tinha provado aquela Coca. Como o assunto era a Coca, essa fala no meio de todas naquela cozinha me chamou a atenção. Ele disse que era muito boa, nem tinha gosto de adoçante, melhor que a Zero. Aí eu lembrei de mim mesmo, que não vejo a mais remota diferença no sabor da light, da zero, da normal. Aliás, a normal parece que tem o equivalente a 10 colheres de açúcar, e desde que me falaram isso eu nunca mais esqueci.
Daí lembrei de uma marca de cerveja que é vendida nos Estados Unidos, a Budweiser, que tinha a Bud Light. A latinha dela é completamente azul. Concluí que seria melhor estudar mais sobre cores de embalagens de bebida antes de achar que The Coke Company e Anheuser-Busch estão erradas e eu estou certo.
Minha mãe respondeu que nunca tinha provado aquela e que não tinha interesse em provar porque já adorava a Zero.
Lembrei do lançamento da Zero. Uma pesquisa constatou que os jovens achavam que refrigerante light era para velho, e a Zero foi lançada para eles. Acabou que a minha mãe, que consumia a Light sem problemas, passou a tomar apenas a Zero. Isso até hoje me intriga: será que ela toma a Zero para se sentir mais jovem? Ela nunca nem tocou no assunto do gosto ser melhor... O fato é que muito consumidor de light deve ter pensado o mesmo, porque elas sumiram das gôndolas. Será que a Coca previu essa canibalização?
Eu queria provar a Coca azul. Me deu na telha que ela devia ter gosto de baunilha. Porém, quando cheguei na casa da minha avó, tinham feito frango e o almoço estava no final. Todo mundo estava comendo o frango com a mão, arrancando gordura, pele, carne dos ossos dele na unha, entre familiares não precisa de etiqueta, então com certeza alguém teria aberto a tampa da Coca com a mão engordurada. Pelo menos meu primo de 13 anos teria feito isso. Eu não queria pegar na gordura do frango pra não ficar com a mão melecada e fedida, e para lavar a mão eu precisaria ir até o banheiro, do lado do quarto dos meus avós (no qual dormia meu avô naquele momento). Fora isso, no banheiro da casa deles sempre tem muito pouco sabonete, e aí eu só rasparia a ponta do dedo naquele restinho seco, já enxaguaria a mão mas continuaria com ela engordurada e fedida. Eu ficaria cheirando minha mão o tempo todo, pois eu tenho mania de cheirar as coisas.
Passei a buscar um meio de abrir a tampa sem tocar nela. Eu poderia usar a toalha vermelha xadrez da mesa, mas não tinha toalha suficiente para alcançar a altura da embalagem magra, pequena e azul da Coca. Eu poderia usar um papel toalha, mas o único à vista estava usado. Fiquei olhando, sem pensar em mais nada. Só olhando para a toalha pequena, a tampa possivelmente melecada, a Coca de baunilha dentro da garrafa. Fui acordado:
- Você fala muito, Arthur. Esse puxou o pai, não fala.
Sorri. Realmente, meu pai também pensa muito.

(2 meses, e quando vem é um negócio tão chato que eu nem consegui ler de novo para revisar...)

08 março 2010

Thriller.

Estava indo para casa num domingo à tarde quando sentou ao meu lado um senhor enorme de gordo. Além de tudo, mal educado. Quando eu olhei para o lado só vi uma bunda gigante se aproximando, e logo depois aquele peso todo em cima da minha coxa. Me ajeitei no 0,5 espaço que sobrou no banco para mim, sem que ele fizesse qualquer esforço para tornar a vida de quem não tem nada a ver com a obesidade dele mais fácil.
Ele começou a folhear um caderno. Dentro havia folhas sulfite com coisas meio estranhas. Eu não conseguia sequer identificar a língua na qual estavam escritas aquelas coisas. Ele lia como se analisasse o que estava escrito. E folheava lentamente. Em algumas folhas, caracteres japoneses. Em outra, "loira" e outra palavra que não identifiquei. Nas outras, as palavras inidentificáveis. Tudo isso eu olhava de rabo de olho, claro.
Dali a pouco ele tirou da mala um fone de ouvido enorme e velho como ele. O fone estava ligado num walkman também enorme e velho, daqueles com toca-fitas. Tudo ali era grande e velho. De repente, ele abre o walkman, e eis que o que ele tem na mão, ligado num fone, é uma câmera daquelas conhecidas como camcorder. Ele deu play no vídeo, e nesse momento eu estava quase rompendo meus nervos óticos de tanta força que fazia para fingir que estava olhando pela janela mas olhando para o lado oposto.
A tela inicialmente estava azul. Fiquei pensando no que tinha naquele vídeo. Cenas de tortura? Pedofilia? Vindo daquele senhor certamente era algo peculiar. O vídeo nunca começava. Ele olhava para a tela, e olhava para o caderno. Pegava a câmera na mão, voltava no colo. Uma hora desencanou, e voltou a folhear o caderno. E eu de olho naquela tela azul.
Do nada, e muito rapidamente, ele olhou para a janela. Eu fiz o mesmo por puro reflexo. Cinco segundos depois ele tirou o fone, e
- Oi. Você pode me dar uma informação?
Acenei positivamente.
- Você está sentindo o cheiro do meu perfume?
Eu poderia fazer um blog inteiro para descrever aquele momento. Psicopata, esquizofrênico, professor da FFLCH. Levei um segundo para responder. Um segundo no qual eu não soube o que fazer. Eu estava preso entre uma chapa de metal e vidro e duzentos quilos de pura ameaça e intimidação. Eu estava sentindo o cheiro de cada mL do perfume dele, parecia que ficaria grudado nas minhas narinas e na minha roupa, apertada contra a roupa dele pulverizada com aquele perfume.
- Não.
- Mas você não sentiu nem quando eu entrei no ônibus?
- Não.
- Obrigado.
Passei a olhar pela janela para não ver o inimigo, que nem criança brincando de esconde-esconde que põe a mão na cara achando que está escondida do perseguidor. Meus olhos estavam arregalados e eles não desarregalavam. Eu estava em estado de alerta.
Ele voltou a olhar para o caderno. O maldito caderno do qual eu até tinha me esquecido. A tela da câmera ainda estava azul. Ele começou a balbuciar alguma coisa, e quando eu virei os olhos para ele de novo entendi: ele estava ouvindo na câmera aula de alguma língua e repetindo o que deviam ser anotações dele.
Pedi licença para descer. Ele virou pouco para me dar passagem, talvez o máximo que pudesse. O fato é que tive de passar por cima dele para conseguir sair. Ele estava levando também um banquinho verde com ele, do qual também tive de me desviar.
Quando desci, não me atrevi a olhar para aquela janela com medo de ver posto em mim um olhar psicopático de um velho com fone de ouvido. Vi a janela indo embora. Respirei o ar fresco. Talvez ele estivesse esperando que eu descesse para ver o vídeo de tortura que ele estava apenas ouvindo... Ou não, era apenas uma aula de línguas. Mas aquele perfume...


(2 meses sem postar. E quando vem, é outra história de busão, a segunda deste blog. O prognóstico não é bom.)