31 março 2008

Carta.

31 de março tem tudo para ser o segundo pior dia do meu ano (nada bate o dia descrito abaixo). 2008, aliás, está com tantas frustrações que eu criei o marcador "fossa" para acompanhar e catalogar devidamente o ritmo de acontecimentos desastrosos da minha existência. Nem o que acontece de bom é tão bom assim, porque está sempre acompanhado da sensação de que poderia ser melhor se...
Hoje de manhã eu passei por uma situação muito humilhante para mim, mas que infelizmente eu não posso registrar aqui para o mundo. Em um momento eu fiquei tão nervoso com isso que deve ter chegado a bater o dia em que eu fiquei mais nervoso de todos os tempos. A raiva foi passando depois que eu compartilhei o que aconteceu com algumas pessoas, mas voltou com muuito mais força quando eu recebi uma ligação no mínimo cínica no celular. Dessa história, só tem uma coisa que eu posso falar aqui: eu gosto da sensação de merecimento, do mérito de ter conseguido algo com o meu esforço. Não gosto de alternativas obscuras. Não gosto de depender dos outros.
Sou contra quem destrata outras pessoas por estar num dia ruim, mas hoje estou vivenciando tal situação. Não perdoei nem a moça que carregou meu peão card. A mulher fica presa num cubículo quente por sei lá quantas horas carregandocartãocarregandocartãocarregandocartão e não ouviu nem um "obrigado", nem um "oi", nem "põe quarenta". Os guardinhas da USP também receberam uma cara fechada depois de dar bom dia (sem sentimento, automático, mas não por isso inútil) depois de conferirem minha carteirinha. As pessoas me olhavam no ônibus como se eu estivesse pronto para matar alguém (ou minha mania de perseguição está de volta).
Esse dia de m*rda ainda não acabou. Muito provavelmente vai acabar em mais m*rda quando eu voltar para casa "sangue nos zóio" e encontrar quem me ligou. O próximo post promete ser explosivo.

23 março 2008

Mais de um mês sem nossa dogona.

Aqui em casa tem-se o hábito de ir ao médico em última circunstância. Depois de passar mal, de se automedicar, é que se começa a pensar nisso. Se o doente parar de comer, aí sim é que vai para o médico. Isso aconteceu com uma das nossas cachorras.
Fazia muito tempo que eu achava que ela estava mal. Ela não era de pedir carinho, e de muitos tempos para cá ela se encostava na gente o tempo todo querendo carinho na barriga. Coisa de anos. Ela vomitava com uma certa freqüência desde sempre, então nós considerávamos normal. Ela precisou começar a ficar quieta e parar de comer para alguém fazer alguma coisa. O(a) primeiro(a) veterinário(a) era um(a) corno(a) que achou que a Sheerra estava com o útero zoado e já marcou uma cirurgia para capá-la. O ultrassom era opcional fazer. Fizemos, e constatou-se que os rins dela que estavam péssimos.
Fomos para outro veterinário que deu soro pra ela para ver no que dava dentro de uma semana. Até aí nossa doga já estava quilos mais magra e não parava de tremer. Vivia com cara de que estava com dor mas que agüentava. No final das contas, esse tratamento não adiantou nada e o vet falou que ela precisava de um transplante. Para sobreviver por mais tempo, precisava de hemodiálise por trezentos reais a sessão. Como o pessimismo da minha mãe confirmava, era se preparar para a despedida.
Um dia ela já não andava mais. Tive de carregá-la para dentro de casa e, quando eu a deixei em cima do paninho dela, ela caiu para o lado. Meu pai decidiu que não tinha como vê-la morrer daquele jeito e a levou para a hemodiálise. Para esse mesmo dia estava marcado um amigo secreto. Minha irmã não foi, mas eu fui, totalmente triste.
Uma hora eu liguei pra minha irmã pra saber como estava indo e ela me disse que eles tinham um tratamento pra sarar cão com rim zuado. Era caro, mas pela vida de um parente você não tem como hesitar. Ela foi internada naquele dia.
Fui lá vê-la com meu pai e mãe no dia seguinte ou dois dias depois. Ela estava dopada, com uma agulha na pata... eu saí de lá mal pra caramba.
Os dias foram passando e todo dia eu e a Vick marcávamos de ir lá vê-la, mas a gente nunca foi. No dia em que ela voltaria eu estava trabalhando. Liguei pra Vick para saber como ela estava e ela disse que eles ainda não tinham chegado. Terminei um horário e estava no intervalo antes do horário da noite e liguei pra ela pra saber da Sheerra. Ela tinha morrido naquela tarde, umas 3 da tarde. O coração dela parou, tentaram reanimá-la, conseguiram, o coração dela parou de novo, e não voltou mais. Ela morreu sem ninguém da família por perto...
Eu ainda tinha de trabalhar, então engoli o choro e fui. O pessoal me deu um apoio e eu liguei para a Bruna para falar o que tinha acontecido, pra compartilhar a dor, uma atitude totalmente egoísta. Eu já estava destruído por dentro e ainda deu m*rda no Etapa, o que deixou meu dia o pior que eu já vivi.
Voltei pra casa sem querer voltar, porque eu estava imaginando o clima de velório que estaria lá. Eis que eu saio do ônibus, pronto pra soltar tudo, e não saiu nada. Atravessei a rua mas, quando eu olhei pros lados pra atravessar e vi a lua, cheia, não sei por quê, mas isso me detonou, e no meio da rua, lá pras 11 da noite, fui chorando que nem criança pra casa. Cheguei em casa chorando, meu pai me consolando, eu chorando, e foi assim por um bom tempo.
Eu já tinha tentado imaginar como seria para mim a morte das nossas cachorras, e eu nunca achei que seria tão impactante. A Sheerra faz muita, muita falta. Quando o carteiro passava era ela que agitava os latidos, ela que tinha aquele bochechão de boxer que a gente apertava o tempo todo e ela não gostava, era ela a amiga da Tchutchuca, a cachorra que ficou.
O velório dela foi pior. Eu fui para vê-la uma última vez antes que ela fosse queimada até virar pó. O pessoal do lugar onde ela ficou sequer tirou o cabo enorme de grosso que estava no pescoço dela para fazer hemodiálise. Ela estava muito fria e um pouco molhada porque deram banho nela antes de velá-la. Ela ainda estava com o olho um pouco aberto. Meu pai falou para não olhar para eles porque poderiam ainda conservar o sofrimento dela, mas eu achei que eles pareciam mais de sono. Eu não queria sair de perto dela, queria ficar lá todo o tempo possível, mas a minha irmã estava sofrendo demais e, além disso, o que estava sendo velado não era mais a nossa cachorra... ela já tinha ido embora desde que o coração dela parou. Ela existe agora só na nossa lembrança, o corpo dela não é ela.
Ela está agora em forma de pó na nossa sala, em uma caixa. Ter o pouco dela que não virou ar ali me confortou um pouco, estranhamente. Querem jogá-la numa pracinha que ela gostava de ir, mas eu sou contra, porque outros cachorros vão fazer suas necessidades em cima dela. Por mim ela fica aqui com a gente para sempre.
A nossa outra cachorra está um nada agora. Dorme 23 horas e meia por dia, e a outra meia hora fica deitada. Já falei que se comprarem outro cachorro eu saio de casa. A dog da minha prima veio aqui antes de ontem e a nossa não gostou, o que sugere que trazer outro cachorro não é uma alternativa.
No dia seguinte à morte eu deletei todas as fotos que eu tinha dela do meu celular achando que esquecê-la era o melhor jeito de superar isso. Não funcionou. Todo dia eu penso na Sheerra e não me conformo com o tanto que ela sofreu. Não serve pra nada pensar nisso, mas é irracional, é revoltante. Todo dia eu sinto saudades dela, e parece que isso nunca vai passar. Já faz mais de um mês que ela se foi, e o que eu sinto todo dia lembrando dela não muda. O pior disso é que eu sei que há outra morte por vir, e mais sofrimento junto. A cachorra que ficou está comendo pouco e começou a vomitar com certa freqüência, mas enquanto ela não pára de comer de uma vez por todas meus pais fingem que está tudo bem. Minha vida está insana esse semestre e eu não posso cuidar disso por mim mesmo, ou com ajuda da minha irmã. Só um exame de sangue poderia falar o que está acontecendo com a Tchutchuca, se é rim zuado ou depressão.
Morrer cedo é característico de boxer, raça da Sheerra. Ela morreu com oito anos e meio. Ela tinha alguns tumores e os rins dela, segundo os últimos veterinários, parece que nunca funcionaram muito bem. Ela teve filhotes, e já avisamos para quem nós conhecemos que ficou com algum filhote para fazer um exame de sangue neles para ver o nível de creatina (ou creatinina, sei lá) deles. Em compensação, boxer deve ser a raça com os cães mais dóceis e fofos e legais. A Sheerra era demais. Mesmo assim, eu nunca gostei da idéia de ter animal de estimação justamente por ser mais provável que eles morram antes de nós, e agora eu desaprovo totalmente a idéia de ter um. Os momentos bons não superam isso que fica depois da morte.