15 agosto 2010

A bíblia do marketing.

Estava estudando quando apareceram duas mulheres, uma japonesa e a outra meio mistura de tudo. A primeira me deu boa noite e, quando achei que ela só pediria uma informação, sentou-se ao meu lado e desembestou a falar.
Eu, bonzinho que sou, ao invés de cortá-la, mesmo que educadamente, para continuar a estudar os conceitos de experimentos em marketing, fiquei ouvindo. Depois de algumas perguntas, como se eu estudava lá na FEA, ela começou o assunto que as motivara a falar comigo: religião.
Eu, bonzinho que sou, ao invés de cortá-la, mesmo que educadamente, por não ser religioso e nem ter planos de ser, fiquei ouvindo.
Pedi um cartão delas para passá-lo para uns amigos que mantinham um grupo de estudos religiosos na faculdade. A moça da descendência variada me deu um cartão todo amassado. Coloquei-o como marcador da página do livro que eu estava lendo.
Um dia fiquei de frequentar esse grupo por consideração a um dos integrantes. Calhou de ter uma prova no mesmo dia da reunião e de eu não ter o livro daquela matéria, um livrão. Fui até o grupo com a intenção de pedir aquele livro emprestado. Esse meu amigo disse "você veio se unir a nós, Arthur?", interrompendo o discurso de outro integrante que estava descrevendo um milagre que ele presenciara seguido de uma quase convulsão dele próprio! Eu disse "não, tem aquela prova... você não quer me emprestar a bíblia do marketing?" O da convulsão me pregou na cruz com os olhos.
A japonesa, sentada ao meu lado, falava da igreja da qual elas eram e me perguntou se eu frequentava alguma. Eu disse que não, mas que eu achava importante ter um lado espiritual.
Foi eu falar isso pra ela ficar semip*ta. Ficou uns dez minutos dizendo que não é que era importante, é que era necessário ter um lado espiritual e ir à igreja para ter a vida eterna, e não apenas essa nossa vida material, no sentido da carne e do capitalismo. Pensei em perguntar se, então, quem não vai à igreja não tem alma. Deixei a chance passar para ser agradável com elas, apesar do sermão da japa.
Os últimos minutos do sermão, aliás, foram críticos. Eu já estava nem aí para o respeito em relação à opinião delas e só reparava no vão que havia entre os dentes da japa e no hálito dela, que não era nem bom para ser agradável nem ruim para me fazer criar um meio de tapar o nariz discretamente. O sotaque dela, que antes me fez sentir ternura, agora era gozado. Ela falava que a bíblia blablabla e apontava para o meu livro de marketing, o que me fez ter um estalo e lembrar da cena da bíblia do marketing e da cara de raiva do fulano do milagre. Segurei forte a risada e a transformei num sorriso ingênuo.
Conferi as horas. Já era tarde o bastante para bandejar. Achei um vácuo no monólogo para concluir aquilo e ir embora. Na semana seguinte, devolvi o livro e o cartão deve ter ido junto. Minha educação de ouvir a mulher teve como melhor resultado todos nós apenas termos perdido tempo.

(Outro post favorável a menos educação no mundo.)