08 março 2010

Thriller.

Estava indo para casa num domingo à tarde quando sentou ao meu lado um senhor enorme de gordo. Além de tudo, mal educado. Quando eu olhei para o lado só vi uma bunda gigante se aproximando, e logo depois aquele peso todo em cima da minha coxa. Me ajeitei no 0,5 espaço que sobrou no banco para mim, sem que ele fizesse qualquer esforço para tornar a vida de quem não tem nada a ver com a obesidade dele mais fácil.
Ele começou a folhear um caderno. Dentro havia folhas sulfite com coisas meio estranhas. Eu não conseguia sequer identificar a língua na qual estavam escritas aquelas coisas. Ele lia como se analisasse o que estava escrito. E folheava lentamente. Em algumas folhas, caracteres japoneses. Em outra, "loira" e outra palavra que não identifiquei. Nas outras, as palavras inidentificáveis. Tudo isso eu olhava de rabo de olho, claro.
Dali a pouco ele tirou da mala um fone de ouvido enorme e velho como ele. O fone estava ligado num walkman também enorme e velho, daqueles com toca-fitas. Tudo ali era grande e velho. De repente, ele abre o walkman, e eis que o que ele tem na mão, ligado num fone, é uma câmera daquelas conhecidas como camcorder. Ele deu play no vídeo, e nesse momento eu estava quase rompendo meus nervos óticos de tanta força que fazia para fingir que estava olhando pela janela mas olhando para o lado oposto.
A tela inicialmente estava azul. Fiquei pensando no que tinha naquele vídeo. Cenas de tortura? Pedofilia? Vindo daquele senhor certamente era algo peculiar. O vídeo nunca começava. Ele olhava para a tela, e olhava para o caderno. Pegava a câmera na mão, voltava no colo. Uma hora desencanou, e voltou a folhear o caderno. E eu de olho naquela tela azul.
Do nada, e muito rapidamente, ele olhou para a janela. Eu fiz o mesmo por puro reflexo. Cinco segundos depois ele tirou o fone, e
- Oi. Você pode me dar uma informação?
Acenei positivamente.
- Você está sentindo o cheiro do meu perfume?
Eu poderia fazer um blog inteiro para descrever aquele momento. Psicopata, esquizofrênico, professor da FFLCH. Levei um segundo para responder. Um segundo no qual eu não soube o que fazer. Eu estava preso entre uma chapa de metal e vidro e duzentos quilos de pura ameaça e intimidação. Eu estava sentindo o cheiro de cada mL do perfume dele, parecia que ficaria grudado nas minhas narinas e na minha roupa, apertada contra a roupa dele pulverizada com aquele perfume.
- Não.
- Mas você não sentiu nem quando eu entrei no ônibus?
- Não.
- Obrigado.
Passei a olhar pela janela para não ver o inimigo, que nem criança brincando de esconde-esconde que põe a mão na cara achando que está escondida do perseguidor. Meus olhos estavam arregalados e eles não desarregalavam. Eu estava em estado de alerta.
Ele voltou a olhar para o caderno. O maldito caderno do qual eu até tinha me esquecido. A tela da câmera ainda estava azul. Ele começou a balbuciar alguma coisa, e quando eu virei os olhos para ele de novo entendi: ele estava ouvindo na câmera aula de alguma língua e repetindo o que deviam ser anotações dele.
Pedi licença para descer. Ele virou pouco para me dar passagem, talvez o máximo que pudesse. O fato é que tive de passar por cima dele para conseguir sair. Ele estava levando também um banquinho verde com ele, do qual também tive de me desviar.
Quando desci, não me atrevi a olhar para aquela janela com medo de ver posto em mim um olhar psicopático de um velho com fone de ouvido. Vi a janela indo embora. Respirei o ar fresco. Talvez ele estivesse esperando que eu descesse para ver o vídeo de tortura que ele estava apenas ouvindo... Ou não, era apenas uma aula de línguas. Mas aquele perfume...


(2 meses sem postar. E quando vem, é outra história de busão, a segunda deste blog. O prognóstico não é bom.)