09 maio 2010

Brainstorm na vó

A primeira coisa que vi na cozinha foi a Coca-Cola Light Plus de 1,5 litro em cima da mesa. Dei oi pra todo mundo e sentei. Fiquei praticamente encarando a garrafa. O queixo apoiado nas mãos, os cotovelos apoiados na mesa, o corpo inclinado para frente.
A primeira coisa que percebi foi que a garrafa era pequena. Era de 1,5 litro, e não de 2 litros. Fiquei pensando se com isso a Coca queria cobrar mais caro pelas vitaminas e minerais embarcadas na Coca Cola Light "Plus", mas evitando cobrar um preço que fosse considerado alto demais. Esse alto demais pode ser diagnosticado por uma pesquisa de elasticidade da demanda, através da qual você pergunta mesmo para a pessoa se ela pagaria pelo produto com o preço x, com x+1, x+2, isso explicando de modo bem simples o teste. A de 2 litros com o premium que seria necessário cobrar pelo valor a mais desse tipo de Coca-Cola teria um preço alto demais, enquanto a de 1,5 litro com o tal premium poderia ter um preço aceitável. Talvez.
Fora isso, a embalagem, além de ser pequena, era mais fina. Isso deveria sugerir uma forma mais magra da pessoa que tomasse aquela Coca-Cola. Talvez.
Depois lembrei de quando ela foi lançada, que uma graduanda em nutrição falou que aquilo era um absurdo. Não lembro o porquê de ser um absurdo, mas acho que tinha a ver com o fato de propagandearem que ela tinha vitaminas e minerais sendo que você não se beneficiaria deles realmente consumindo aquela Coca-Cola. Algo assim.
Isso me fez lembrar do presidente da Nestlé falando que a estratégia deles seria lançar cada vez mais alimentos funcionais, que são esses com vitaminas, minerais, reguladores intestinais, etc., pois as pessoas querem ter uma alimentação mais saudável, além de, claro, os produtos tradicionais terem se tornado commodities em termos de preços (fora vilões da saúde) e os funcionais serem a nova fonte de lucros da indústria de alimentos. Por sua vez, essa lembrança me trouxe a de uma entrevista que ouvi na CBN com um médico sobre a Danone vender o Activia e algum outro produto x como remédios, o que é ilegal segundo a Anvisa. Não sei se foi nessa entrevista também que ouvi que porcarias para crianças que agora tem minerais, vitaminas, etc. são um absurdo, porque os pais das pobres coitadas vão dar aquilo para seus rebentos com paz de espírito sendo que a porcaria continua a fazer bastante mal.
Depois vi que a embalagem da Coca é azul. Eu acho estranho algum refrigerante ter embalagem azul, pois não é uma cor atrativa para bebidas.
Nisso meu primo perguntou para a minha mãe se ela já tinha provado aquela Coca. Como o assunto era a Coca, essa fala no meio de todas naquela cozinha me chamou a atenção. Ele disse que era muito boa, nem tinha gosto de adoçante, melhor que a Zero. Aí eu lembrei de mim mesmo, que não vejo a mais remota diferença no sabor da light, da zero, da normal. Aliás, a normal parece que tem o equivalente a 10 colheres de açúcar, e desde que me falaram isso eu nunca mais esqueci.
Daí lembrei de uma marca de cerveja que é vendida nos Estados Unidos, a Budweiser, que tinha a Bud Light. A latinha dela é completamente azul. Concluí que seria melhor estudar mais sobre cores de embalagens de bebida antes de achar que The Coke Company e Anheuser-Busch estão erradas e eu estou certo.
Minha mãe respondeu que nunca tinha provado aquela e que não tinha interesse em provar porque já adorava a Zero.
Lembrei do lançamento da Zero. Uma pesquisa constatou que os jovens achavam que refrigerante light era para velho, e a Zero foi lançada para eles. Acabou que a minha mãe, que consumia a Light sem problemas, passou a tomar apenas a Zero. Isso até hoje me intriga: será que ela toma a Zero para se sentir mais jovem? Ela nunca nem tocou no assunto do gosto ser melhor... O fato é que muito consumidor de light deve ter pensado o mesmo, porque elas sumiram das gôndolas. Será que a Coca previu essa canibalização?
Eu queria provar a Coca azul. Me deu na telha que ela devia ter gosto de baunilha. Porém, quando cheguei na casa da minha avó, tinham feito frango e o almoço estava no final. Todo mundo estava comendo o frango com a mão, arrancando gordura, pele, carne dos ossos dele na unha, entre familiares não precisa de etiqueta, então com certeza alguém teria aberto a tampa da Coca com a mão engordurada. Pelo menos meu primo de 13 anos teria feito isso. Eu não queria pegar na gordura do frango pra não ficar com a mão melecada e fedida, e para lavar a mão eu precisaria ir até o banheiro, do lado do quarto dos meus avós (no qual dormia meu avô naquele momento). Fora isso, no banheiro da casa deles sempre tem muito pouco sabonete, e aí eu só rasparia a ponta do dedo naquele restinho seco, já enxaguaria a mão mas continuaria com ela engordurada e fedida. Eu ficaria cheirando minha mão o tempo todo, pois eu tenho mania de cheirar as coisas.
Passei a buscar um meio de abrir a tampa sem tocar nela. Eu poderia usar a toalha vermelha xadrez da mesa, mas não tinha toalha suficiente para alcançar a altura da embalagem magra, pequena e azul da Coca. Eu poderia usar um papel toalha, mas o único à vista estava usado. Fiquei olhando, sem pensar em mais nada. Só olhando para a toalha pequena, a tampa possivelmente melecada, a Coca de baunilha dentro da garrafa. Fui acordado:
- Você fala muito, Arthur. Esse puxou o pai, não fala.
Sorri. Realmente, meu pai também pensa muito.

(2 meses, e quando vem é um negócio tão chato que eu nem consegui ler de novo para revisar...)