06 dezembro 2008

Posts descritivos: trabalho.

Todo dia, durante o trabalho, eu gravo algumas situações pelas quais eu passo para postá-las no blog. Há duas semanas fazendo isso, porém, muitas delas são esquecidas, então resolvi postar logo e não deixar pra fazer um post do tipo "um mês aqui" (isso vai acontecer daqui a 3 dias).
Até agora eu não consegui avaliar, no geral, se eu gosto do meu trabalho. No primeiro dia foi normal, no segundo eu queria que tudo aquilo explodisse, e assim por diante. O pessoal que foi faxineiro/gari/lixeiro (ou Custodial, o nome oficial) nos anos anteriores disse que era um trabalho muito legal, mas que o treinamento era de querer matar quem falou que era legal. Tudo verdade. Nós aprendemos a limpar banheiro, vômito, sangue, a limpar as lixeiras, e tudo isso é muito nojento. O argumento dos veteranos para o trabalho ser legal é o de que, na verdade, não se faz nada, pois você anda pelo parque, fica conversando com as pessoas, fica com uma vassourinha e uma lixeirinha deixando tudo limpo... Tudo isso desde que o Custodial não trabalhe na Main Street do Magic Kingdom, área na qual eu tive a sorte de cair. É o lugar mais lotado da Disney toda; é a entrada do parque, então é a primeira e última impressão das pessoas; todas as paradas do parque passam ali, então as lixeiras entopem em segundos; o chão vive cheio de "arte" das criancinhas.
O meu primeiro dia foi legal porque não foi tão pesado, quando eu tinha dúvidas os veteranos me orientavam e eu fiz o que chamam de Magical Moment, um momento em que você consegue deixar uma pessoa muito feliz, maravilhada, etc. Nós somos orientados a nos oferecer para bater fotos para as pessoas (porque o que bateria a foto pode aparecer nela, e isso é mágico porque a família toda sai na foto, por exemplo). A primeira vez que eu fiz isso foi mágico não só para a pessoa, mas também para mim, porque era um casal mais velhinho e o cara ficou muito feliz quando eu me ofereci, disse "thank you" várias vezes, apertou minha mão e os dois me desejaram feliz natal. A foto ainda era na frente do castelo da Cinderela, o símbolo máximo da Disney toda, e na hora em que ele estava iluminado, mais bonito ainda.
O dia seguinte, em compensação, foi cão, porque eu fiquei na praça entre o castelo da Cinderela e a Main Street, muito lotada. Meu trabalho era manter as lixeiras vazias. Eu fiquei tão nervoso correndo com lixeira cheia vazia cheia vazia que os outros Custodials perguntavam "Are you OK?" ("Você está bem?") o tempo todo, e eu respondia "No". Nesse dia chegou a me passar pela cabeça uma possível volta adiantada para casa. Quando eu perguntava para eles, naquele dia mesmo, se eles gostavam do trabalho, eles me respondiam "You get used to it" ("Você se acostuma com isso"), isto é, o trabalho é ruim, mesmo. Pra piorar, enquanto eu esvaziava uma lixeira cheia até a boca, uma americana me fala "You don't have a pretty good job, huh?" ("Você não tem um trabalho muito bom, né?").
Os nossos instrumentos de trabalho também deixam nossa vida pior. O conteúdo de todas as lixeiras é levado para o Avac, um ultraaspirador de lixo. Tem vários espalhados pelo parque, cada um em uma sala. A sala tem um cheiro podre, com o qual eu achei que nunca fosse me acostumar. Dentro do Avac, então, o cheiro é muito mais concentrado. A gente vira o lixo lá dentro, torce pra não entupir, e lava a lixeira com um jato d'água. Na primeira vez que eu fui fazer isso, eu não sabia que era um jato, então fiquei com a cara na região acima da lixeira (pra ver se a sujeira saía). A água bateu nas paredes da lixeira, virou uma nuvem e veio na minha cara. Fiquei lá alguns segundos com a mangueira na mão, boca e olhos fechados, processando a meleca que tinha voado na minha cara. Depois de fazer isso, a água é jogada numa peneira, e essa água espirra em tudo. Meu roomate tem um par de tênis igual ao meu, e eu diferencio um do outro pela sujeira (o meu tem espirro de gordura). Um brasileiro falou que, depois de despejar o lixo no Avac, por alguns minutos ele anda pelo parque sem falar nada, porque se ele abrir a boca, vomita.
Vômito: já limpei dois. O primeiro era gigante, tipo almoço e janta. Aqui tem um produto, o Voban, que seca o bicho, aí é so varrer. Pelo menos foi isso que me disseram, porque deixei agir o tempo necessário e, na hora de varrer, embaixo ainda estava tudo melecado. Varri o que deu pra varrer, deixei daquele jeito mesmo, fui embora.
No treinamento, limpar banheiro parecia ser um presente dos managers (chefes) para nós. Limpei banheiro uma vez. Realmente não tem muita coisa pra fazer, só manter tudo limpo. O problema é depois que o parque fecha, que precisa dar uma geral, inclusive nos mictórios e privadas. Como nós usamos luvas, não é tão nojento, tirando a hora de limpar as privadas. Americano não gosta de gastar energia, só de comer. Por isso, nos banheiros tem sensor em tudo, inclusive na descarga, para que eles não apertem um botão sequer. Quando eu fui limpar o assento da privada, a droga da descarga disparou comigo agachado na frente dela limpando, e isso aconteceu várias vezes. As últimas eu já limpava em posição de largada de corrida: disparou pisquei dali. Uma brasileira em treinamento deu muito mais azar: de cara precisou limpar um número dois do CHÃO, e mais recentemente outra teve de limpar uma cabine que, segundo ela, tinha aquilo até na parede, em estado líquido.
Os custodials dos anos anteriores dizem que a interação com os guests é um dos melhores aspectos de ser custodial. Depende. Aqui é moda trocar pins (ou, em bom português, BROCHE). Cada um custa um olho da cara pelo que é. Os custodials devem andar com uma lanyard (um colar que é uma espécie de faixa) no pescoço com pelo menos 12 BROCHES. As pessoas vêm e trocam os BROCHES delas com o custodial. É bonitinho quando vem uma criancinha e fala "May I see your pins?" ("Posso ver seus BROCHES?"). Só que logo depois aparecem os pais da criança. Eles são as criaturas mais interesseiras do parque. Eu não vejo graça nenhuma em andar com um colar de BROCHES, mas tem gente que anda com vários, faz coleção, gasta muito dinheiro com essa idiotice. Como nós não podemos recusar uma troca, os pais acabam trocando no lugar da criança, sempre pelo BROCHE mais caro ou maior que eu tiver, e o filho que se f*da se ele quiser um BROCHEZINHO do Nemo ou da Sininho.
O que os custodials dos anos anteriores tinham na cabeça pra falar que esse trabalho é bom? OK, tem alguns pontos positivos. Esse é o único trabalho no qual anda-se pelo parque todo. Nós somos livres, desde que deixemos tudo limpo, e dependendo do lugar isso é fácil. Algumas vezes precisamos ficar com um Nextel para que o nosso chefe nos localize. Se algum amigo também está com Nextel, dá pra ficar batendo papo, e em português pouca gente entende. Minha área é a pior de todas para trabalhar, mas eu vejo todo dia o Wishes, um show de fogos de artifício que acontece atrás do castelo da Cinderela. É muito bonito e emociona muito, porque tem uma história sincronizada com os fogos. Eu vejo também o da festa especial que as pessoas pagam mais caro para entrar. Além disso tudo, eu gosto muito de andar, e meu trabalho exige que eu ande 6, 8 horas por dia pelas ruas do parque, que são muito bonitas.
A experiência mais intensa pela qual eu passei aqui foi uma união do lado bom de ser custodial com a do lado péssimo de trabalhar onde eu estou. Toda noite tem parada (a SpectroMagic) e nós vamos atrás dela com aspirador de pó e vassouras limpando tudo. Parece que nesse dia tinha gente importante no parque, e a coordenadora da parada queria mostrar que sabia fazer o serviço então fez muita pressão. Tinha chefe pra todo lado, fazendo pressão para que tudo estivesse limpo. Porém, tinha TANTA GENTE no parque que nós não conseguíamos espaço para varrer (e dizem que isso é só o começo). Não foi culpa nossa, mas eu fiquei muito, muito mal. Tivemos um break e, quando já estava acabando e eu estava voltando para a minha posição, começou o Wishes. Uma mulher me parou e perguntou se eu podia achar alguém que quisesse o balão dela. Esse balão custa uns 10 dólares. É de gás hélio, transparente e tem um balão de Mickey dentro. Eu fiquei com o balão, feliz que nem criança, e quis levá-lo comigo para limpar, mas não podia. Eu vi uma menina no colo do pai dela, ele vendo o Wishes e ela olhando para trás, segurando no pescoço dele. Eu cheguei com o balão e falei "It's for you!", e ela "Thank yooou!". Como estava todo mundo vendo o Wishes, ninguém viu a cena. Fui embora e fiquei olhando de longe. Ela ficou muito feliz. Ela mostrava o balão pro pai dela e apontava pra onde eu tinha ido. Depois ela mostrou pra família inteira dela e apontava pra onde eu tinha ido, mas não dava pra me ver por causa da multidão. Uma hora ela me achou e eu dei um tchauzinho pra ela, e ela me deu outro. Aquela pressão toda pra deixar tudo limpo, o "thank you", o tchauzinho, e ainda pra piorar o Wishes acontecendo na minha frente... dá um pouco e vergonha de escrever isso na Internet pra qualquer um ler, mas eu fiquei engolindo choro por um bom tempo. Aquilo fez valer todo o trabalho sujo.
Como os veteranos disseram, eu me acostumei com aquilo. Viro o lixo e não ligo se tem fralda suja, sanduíche meio comido, nem sinto mais o cheiro da sala do Avac. Eu não tenho nojo de mais nada e aprendi a limpar. Profissionalmente falando, esse trabalho não me servirá, mas pessoalmente, até agora, foi o que mais me fez crescer. Eu não recomendo esse trabalho para os próximos cast members, mas recomendo que todo mundo valorize o aparentemente reles faxineiro que nós sempre vemos por aí... e nem olhamos na cara.

9 comentários:

Anônimo disse...

vc sabe que virou o anjo dessa menininha, né custodial??? e ela deve achar que em algum lugar vc está a observando e um dia vai voltar pra dar um tchauzinho e algum brinquedo novo.

e meu, não achei que ouviria de vc essa frase: "Eu não tenho nojo de mais nada", hehehehe

muita saudade. esse post me trouxe mtas emoções. um beijo.

Anônimo disse...

Nem tem como comparar uma coisa com a outra, mas eu passei a semana inteira nas matrículas do colégio. uma porcaria, levei patada por todos os lados, seja no elevador, na seta ou na mesa, o dia inteiro. milhões de pais passaram por mim sem nem olhar direito na minha cara. sexta feira, um dos piores dias, eu estava super estressada e triste, inclusive a Aline tava percebendo isso, eram 4hs da tarde (entramos as 9h30, meia hora de intervalo) e qdo eu perguntei pra uma das centenas de mães que atendi se a aluna possuía irmãos matriculados no etapa, a mãe me fez uma pergunta "Qual seu nome?" e começou a conversar comigo... perguntou até da minha faculdade, perguntou se eu morava por lá, como era aquela experiência pra mim. Eu achei aquilo mto foda, pq ninguém lá perguntou meu nome, nem mesmo as inspetoras e o pessoal da secretaria que tava na matrícula. em 4 dias uma única pessoa perguntou meu nome. Salvou minha sexta feira. Tem gestos muito pequenos que fazem mta diferença.

Anônimo disse...

Nossa, Tutz, só depois de ler o post eu tive a real dimensão da sua dificuldade em se adaptar, pois eu o conheço e sei que limpeza nunca foi sua área de interesse, mas eu já previa isso, vc sabe. Mas o que importa é que vc aprendeu muito com tudo isso e, experiência não ocupa lugar. Eu vi um filme neste final de semana que me fez lembrar de vc: dois americanos adolescentes vão trabalhar numa ilha do Caribe e o rapaz tem até que dançar um ritmo local, num palco, sem saber nem como se virava. Mas é isso, espero que vc tenha dias melhores no seu trabalho, se cuide, fique com Deus.
montão de bjs.

Anônimo disse...

Ô filhão, saiu anônimo o meu comentário, mas sou eu, viu?

Licah... disse...

Puts Tutu!!

Não tem como dizer "coitado de vc"...nem como dizer "caralho q fodaa"...

Eu sei q vc quis muito tudo isso por mais "iludido" que vc esivesse!
Eh bom saber que apesar de todo lado "sujo" vc consegue enxergar as pequenas coisas lindas que passam por vc!
E isso é a maior prova da pessoa linda que vc é!! A maior prova disso foi ter dado o balão!
Vc tava todo fu****, numa puta pressão...vc merecia pra caramba o balão...mas não...vc fez uma criança feliz e isso te deu uma sensação que o balão não te daria, pq um dia ele vai murchar!
E do mesmo jeito q ela lembrou de vc no meio da multidão vc vai se lembrar disso por toda a sua vidaa!!

Eu ja te admirava...agora então!!

Beijos...se cuida!
;)

Anônimo disse...

pra começar não tem pra ninguem, o tricolor foi campeão de novo, apesar da secadeira, quanto ao tranpo normal, lixo é igual em qualquer parte do mundo, a vida é que diferencia, e vc é a diferença!
lembre-se quanta estoria vc tera para contar para seus filhos, netos, etc.
até breve, bjs.

Bruna ℓ. disse...

Eu ri e chorei com o seu post.
Tão legal ler sobre sua vida aí. Tão legal saber o quanto voce está aprendendo e tirar umas lições pro meu dia-a-dia também.
Eu não canso de te desejar sorte, mas pelo jeito, voce está tendo muito jogo de cintura, sabendo lidar com as situações adversas e sabendo muito bem aproveitar as situações favoráveis. Engraçadíssimo ler que voce diz não ter mais nojo de nada. Logo voce. rs...
Ah, 1 mês já! Passa rápido.
Não sei se é egoísmo da minha parte, mas não vejo a hora que voce volta!
Beijos e um abração! Saudades! Se cuida! ^^

Anônimo disse...

Por mais que vc se estresse na maioria dos dias, alguns sempre valerão a pena. E no final, o aprendizado compensará tudo, vc voltará outro Arthur. Lembre-se semrpe disto! =]

Anônimo disse...

TUTZ, CADE O NOVO POST?