26 julho 2008

Pensamentos condenáveis.

Um garoto de três anos morreu quando a polícia metralhou o carro no qual ele estava, no Rio. Sua mãe, em entrevista comovente, disse que falou para ele abaixar, e ele respondeu: "mas por quê, mamãe?"

Meu primeiro pensamento foi: mas então não mereceu morrer??

Foi a primeiríssima coisa que veio à minha mente, como a continuidade de um pensamento lógico ao imaginar a cena: tiros pra todo lado; se, ao invés de abaixar, quis saber por quê, tem mais é que morrer. Quase uma seleção natural. Isso aconteceu de novo e pior, pois extrapolou o pensamento e eu estava na companhia de duas mães que conversavam sobre isso. Quando eu soltei o "ahh mas então não mereceu morrer? hahaha" obtive como resposta um silêncio sepulcral, ironicamente.
Fiquei com peso na consciência por ter sido natural nas duas vezes, como um senso comum. Pareceu que o meu mais verdadeiro eu é uma pessoa sádica e insensível, até que começasse a parecer para mim que, na verdade, todas as pessoas o são, e que esses pensamentozinhos condenáveis estão por toda parte.
Se isso fosse só comigo, não seria necessário pensar antes de falar. Aliás, o que é pensar antes de falar além de... reprimir algo que o resto do mundo acharia condenável para viver em sociedade?? Se a entrevistadora, após a descrição da mãe, perguntasse "mas você não acha então que foi melhor que ele morresse, afinal ele não vai passar os genes do reflexo lento pra frente?", viveríamos num mundo sem hipocrisia, mas triste. Falar na cara é honesto, mas um eufemismo certamente é melhor por passar a mesma mensagem e ainda ser agradável.
Pensamos coisas condenáveis o tempo todo que surgem de qualquer conversa. Quantas vezes, ao sermos atingidos por tais "idéias", não procuramos com os olhos alguém que nos apóie e, ao encontrar o mesmo olhar no outro, ambas as partes confirmam com um sorriso malicioso... Isto foi o que ocorreu comigo, com a diferença de que na primeira vez não encontrei o tal olhar e na segunda eu falei, no impulso.
Com amigos "apreciadores" de humor negro, passaria batido. Um dos que eu conheço chora de rir ("porque é muita mancada") quando eu conto de uma mãe que recebeu um scrap de um anônimo tirando uma por seu filho de 5 anos ter morrido de câncer. Outro conta e cria piadas sobre a Isabela. Enfim, eu não sou a pior pessoa do mundo (ou é disso que eu estou tentando me convencer). Alguns falam tudo que vem à mente, outros preferem manter a civilidade. Parece para mim de novo que todo mundo é podre.

3 comentários:

Bruna ℓ. disse...

De fato é a seqüência lógica, mas com certeza não era o que aquela mãe queria; e falar pra ela: "Mas no final você não acha que a morte do seu filho favoreceu, evolutivamente, a espécie humana?", seria de uma frieza desmedida. Não estamos lidando com conceitos estritamente racionais, ainda existe a maneira de pensar com o coração. Uma coisa é fazer piadas de humor negro e outra é rir da desgraça alheia. Eu não acho engraçado fazer piada sobre a Isabela. Eu não gostaria que acontecesse isso com algum filho meu, nem com o de ninguém. Mas talvez num filme de besteirol fosse a coisa mais engraçada do mundo. Eu me racho de rir lendo Cianeto e Felicidade (não vou mentir que fiquei rindo uma semana do quadrinho que falam pra um cara sem braço: "Keep in touch. Got it? Touch. You can´t touch anyone."), mas não acho engraçado ver uma pessoa sem braços querendo abraçar alguém. A linha entre a graça e a desgraça de uma piada é se o fato é real ou não.
Mas como ninguém aqui é perfeito, acredito que todos nós já tivemos algum pensamento (ou até ação) condenável (e condenável pra mim parte do princípio que se acontecesse com você, você não apreciaria com humor, ou seja, você mesmo se sentencia ao pensar algo assim). Pra finalizar, Arthur, você é um romântico; daqueles da segunda fase do romantismo.

Mahx. disse...

Arthur... Seu post foi simplesmente FODA! igualzinho vc... Agora é que me lembrei que falta alguém do meu lado do seu jeito...

A minha facul então...pura "civilidade" uhauhauhahu

*Obs: Concordo com a Bruna: Romantico da segunda geração ;D

Anônimo disse...

Eu tinha feito um grande comentário mas por um grande momento de bobeira eu fechei a janelinha pensando em comentar melhor em outra hora.

Veja bem, quer dizer que quem ainda não aprendeu todas as malícias e não entende rapidamente as coisas (o que é absolutamente normal em crianças) merece morrer? *medo de você*

(seus filhos vão sofrer)

outra observação: vc falou que qdo é atingido por "tais idéias" e procura o olhar de alguém pra te apoiar e eu lembrei de uma coisa que aconteceu na reunião, não nem nada a ver com seu humor negro. Vc deve lembrar o que é, quando uma pessoa X entrou na sala e a gente concluiu, sem falar absolutamente uma palavra, uma conversa q a gente teve no dia anterior exatamente naquele segundo. Foi incrível como a nossa comunicação foi instantânea e não-verbal. hehehehe

mas enfim. acho que saquei a metáfora do post.
bjus.